De um lado um PIB crescendo a 13% ao ano (com crise e tudo), índices de educação entre os mais elevados do planeta e uma tranquilidade nas ruas de dar inveja a padrões escandinavos. De outro, trabalhadores estrangeiros vivendo em condições deploráveis, falta de liberdade de expressão e acesso praticamente nulo à cultura, num regime que se assemelha a um curioso e complexo “apartheid econômico”.
Essas são algumas das impressões deixadas no Qatar, país em forma de verruga que nasce na Arábia Saudita e se estende sobre o Golfo Pérsico. Sua capital, Doha, é mais conhecida do que o próprio país, pelas negociações internacionais de comércio exterior que tiveram a cidade como palco. Foi ali que aconteceu o World Innovation Summit for Education, ou simplesmente “Wise”, um termo em inglês incrivelmente parecido nas mais diferentes línguas presentes no evento.
Doha é uma cidade em obras. Assim como a vizinha Dubai (o emirado mais famoso dos Emirados Árabes), invade pedaços gigantescos de mar com obras faraônicas, concentra parte relevante dos grandes guindastes da construção civil no mundo e tem luxo, de sobra, em tudo quanto é lado.
Só não tem, a exemplo de Dubai, vida ou identidade própria. É como passear em uma cidade cenográfica, onde praticamente tudo é lindo, mas falta alguma coisa. Uma história, umas pessoas. Realmente, algo difícil num lugar em que todas as construções parecem ter menos de cinco anos.
Particularmente, achei chocante o contraste entre tamanha opulência e a realidade de grande parte dos trabalhadores. São milhões de paquistaneses, filipinos, indianos e demais povos da região, cujas vidas se restringem a um único ponto: trabalhar, trabalhar e trabalhar.
O mesmo parece ocorrer com a educação. De um lado, acordos com as mais renomadas universidades americanas e européias, em prédios dignos de contos árabes. Restrita, no entanto, a poucos. De outro, pessoas simplesmente excluídas, nada mais que isso.
Num jantar de gala oferecido pela esposa do emir aos participantes do Wise, com direito a Carla Bruni como convidada propaganda e tudo, vi uma das cenas mais impressionantes de minha vida: um verdadeiro exército, de cerca de 200 a 300 pessoas, todas com a mesma altura, com feições extraordinariamente semelhantes, saiu de dentro das cozinhas para servir os convidados. “Sei lá, me deu uma coisa ruim de ver isso”, resumiu a simpática americana que se sentava à nossa mesa na ocasião. Todos sentiram o mesmo.
Contou ainda que os trabalhadores, uma vez demitidos, são obrigados a voltar ao seu país de origem. Trazer a família do exterior, nem pensar, mesmo com um emprego razoável – o que explica, raciocinei, os índices de desemprego de primeiro mundo que o país ostenta.
Outras pessoas, semelhantes a Albert, relataram a mesma estória. Não com raiva ou arrependimento, apenas com a dignidade fria de quem não enxerga melhor opção.