terça-feira, 3 de novembro de 2009

Entrevista - Lester Brown

Uma das vozes mais influentes do planeta quando o assunto é sustentabilidade, Lester Brown esteve recentemente no Brasil para lançar a versão tupiniquim de seu livro "Plano B - 4.0". Em resumo, um verdadeiro manual sobre como sair da enrascada ambiental e alimentar em que a sociedade se meteu.

Em uma bateria de entrevistas para a imprensa local, invariavelmente de paletó sem gravata e vistosos tênis brancos, conversou com a repórter Marina Matos, que estréia em grande estilo sua participação neste blog. Confira:

Marina - As últimas semanas reforçaram o ceticismo sobre um acordo climático global na reunião de Copenhague, em dezembro. Qual será o efeito disso?
Lester Brown - Algumas das coisas mais importantes acontecendo no mundo hoje, sobre o clima, não tem nada a ver com Copenhague ou com governos. Por exemplo: a expansão das usinas eólicas no Texas, estado não exatamente conhecido por seu perfil ambiental. Ou a compra de energia solar do norte da África por empresas européias. O interessante dessas ações é que todas elas são extremamente importantes do ponto de vista climático. E não têm nenhuma participação direta de governos.

Ou seja, é possível avançar mesmo sem grandes acordos...
Por definição, a negociações internacionais sobre acordos climáticos não têm resultados muito audaciosos. Nenhuma delegação quer fazer mais do que as outras, e todas querem mostrar o máximo fazendo o mínimo. Eu tenho a sensação de que muitas das coisas que tem de ser feitas serão conduzidas por forças independentes dos governos. Acredito mais no que já está sendo feito pelos países e por acordos bilaterais do que em um grande acordo global.

O mercado é uma força “sustentável” nesse sentido?

O problema do mercado é sua falta de honestidade. Ele não diz a “verdade ecológica”. Não diz que, quando nós queimamos um barril de gasolina, pagamos pelos custos de produção, refino e distribuição, mas não os custos dos impactos climáticos dessa produção, como o da emissão de CO2. Esses são custos que num futuro próximo podem ser maiores do que o da própria produção de gasolina. Isso tudo leva o mercado a pensar que combustíveis fósseis são baratos quando comparados a outras fontes de energia renováveis, o que não é verdade.

O que pode ser feito?
As mudanças climáticas são resultado de um grande fracasso de mercado. Portanto, o que deve ser feito é reduzir os impostos sobre o trabalho e a renda e aumentar a taxação sobre esses custos ambientais, como as emissões de carbono. Aqui sim, os governos podem fazer a diferença. Enquanto isso, o setor privado aumenta sua pressão, sobretudo com as grandes empresas. Veja o caso do Wal-Mart: as grandes redes varejistas têm um poder de influência enorme sobre os fornecedores, maior até que o dos consumidores. Isso está se tornando finalmente um modelo estabelecido.

Há um gatilho climático ou econômico que obrigará o mundo a adotar o “Plano B” de que trata o livro?
Esperamos gatilhos de ordem climática que podem provocar profundas transformações econômicas e sociais, algo semelhante ao que o ataque à Pearl Harbor representou para a economia americana há décadas atrás. Mas ainda não sabemos ao certo. Se perguntarmos para os cientistas, a maioria deles provavelmente falaria do derretimento das calotas polares, um fenômeno que, se ocorresse em sua totalidade, faria com que os oceanos se elevassem em cinco metros, com profundos impactos nas regiões litorâneas. Se um pedaço grande dessas calotas derretesse, já seria o suficiente para que ocorresse uma elevação assustadora do nível dos oceanos.

Uma provocação: as novas tecnologias em desenvolvimento, por exemplo as de sequestro de carbono na atmosfera, não podem alterar completamente a urgência que é citada em seu livro?
Eu não tenho muita confiança em tecnologias de sequestro de carbono. As indústrias vêm falando disso há anos e quase nada está acontecendo de fato. A grande questão aqui é que é bastante improvável que algo comercialmente viável seja feito antes 2020, assim como em outras tecnologias semelhantes. Ou seja: até lá, nosso tempo pode ter se acabado.